Bem público, mas nem tanto

Oculta em porão, Coleção Banerj
guarda obras de arte preciosas

Isabel Butcher


Mirian Monteiro/Strana
Reserva técnica do acervo: ali estão guardadas matrizes de xilogravuras de Goeldi e outras obras valiosas

A bela construção neoclássica do Museu do Ingá, em Niterói, abriga um tesouro só redescoberto recentemente. É o Acervo Banerj, coleção de obras de arte expressiva do Rio. Com a privatização do banco, em 1998, as 873 peças – pinturas, esculturas, gravuras, desenhos e até tapetes persas e caixas de correio antigas – saíram do cofre do 12º andar do prédio-sede do banco, no Centro, e foram transferidas para Niterói. A partir daí, passaram para a guarda do governo do Estado. Desde então, pouco se falou das obras ou se fez por elas. Até que, no ano passado, a então secretária estadual de Cultura, Helena Severo, descobriu a preciosidade sob sua tutela. Nessa época, houve preocupação em inventariar a coleção, mas nada saiu do papel. O atual ocupante do cargo, Antônio Grassi, planeja para breve tirar parte das peças dos porões do museu e fazer uma grande exposição itinerante pelo país. "É de nosso interesse preservar o acervo de todas as formas. Ele é um bem público e, como tal, deve voltar a ser visto", promete o secretário. Grassi entrou em contato com a Casa França-Brasil para tentar encaixar a mostra no calendário ainda neste ano. Os nomes que compõem o conjunto são do primeiro time das artes plásticas do país. Estão lá Oswaldo Goeldi, considerado o maior gravurista do Brasil; Alberto Guignard, com sua magistral pintura São Sebastião, de 1960; além de Eduardo Sued, Djanira, Tarsila do Amaral, Pancetti, Di Cavalcanti, Iberê Camargo e Burle Marx.

Mirian Monteiro/Strana
Museu do Ingá, com escultura de Bentes: patrimônio

Na época da redescoberta, o Estado chegou a acertar uma parceria com a Uni-Rio. Ficou estabelecido que a professora Regina Abreu, do departamento de pós-graduação em memória social e documental do curso de antropologia, coordenaria o trabalho de pesquisa sobre a origem do acervo e seria também responsável pela criação de um catálogo e de um banco de dados da coleção. Mas até o momento o projeto adormece no papel. "Está tudo pronto para esse estudo. Só dependemos da liberação da verba", explica Regina. Parte da história já se sabe. A coleção começou a ser feita em 1965, no governo de Carlos Lacerda. "Nessa época havia a concepção política de que o governo deveria ser um mecenas que estimulasse os artistas e fomentasse seu trabalho", explica a professora. O objetivo era formar uma bela pinacoteca que bem representasse o Estado da Guanabara. A seleção foi feita pinçando obras dos grandes nomes da pintura moderna, sem passar pelo crivo de curadores que pudessem avaliar as aquisições e o conjunto das obras. Hileana Pradilla, coordenadora de artes visuais da Rio Arte, foi convidada, no ano passado, para fazer a curadoria de uma mostra do Acervo Banerj, que acabou não se realizando. Ela ficou impressionada com suas gravuras. Tem matrizes de xilogravuras de Oswaldo Goeldi. "É o ponto alto das peças", observa Hileana, que também faz ressalvas. "Todos os nomes da arte moderna do Brasil estão lá representados, mas há obras pouco significativas", opina. "De qualquer forma, é um acervo importantíssimo", diz. Existe uma explicação para a discrepância. Parte das peças foi adquirida por livre-arbítrio do comprador. Outras, no entanto, chegaram ao banco como pagamento de dívidas, sem que houvesse uma avaliação prévia, a despeito de serem assinadas, muitas vezes, por artistas conceituados.

De acordo com o relatório feito por técnicos da Secretaria Estadual de Cultura, o acervo está em ótimas condições na reserva técnica no porão do Museu do Ingá. O único senão – e que baita senão – é estar fora do alcance do olhar do cidadão. Quem cuida do acervo é a museóloga Elizabeth Portella. Ela catalogou e identificou as peças em um espaço pequeno para tantas obras. Mesmo assim, há aparelhos e sistemas de proteção exigidos em qualquer boa reserva técnica. "Fiquei surpreso de ver como as peças estão bem conservadas", conta Grassi. Ainda de acordo com o parecer da equipe, das 873 obras, entre trinta e quarenta deverão passar por uma restauração.

Não são só elas. A idéia é recuperar também o Museu do Ingá, que já teve papel proeminente na história da política fluminense. O casarão de estilo neoclássico construído em 1860 foi comprado em 1903 pelo governador Nilo Peçanha, para servir de sede ao governo do Estado. Nestes quase 100 anos, o Palácio do Ingá – que tem no jardim uma escultura de Maurício Bentes – viu sua importância ficar esmaecida, principalmente depois da fusão dos Estados da Guanabara e do Rio de Janeiro, em 1975. Nos anos 90, o governador Marcello Alencar usou o imóvel intermitentemente como gabinete, despachando de lá. Para isso, separou com divisórias dois terços da área do museu para servir exclusivamente de gabinete, fechando-o à visitação pública. A pretensão do secretário de Cultura, Antônio Grassi, é reformar o imóvel e entregá-lo à comunidade, já que é patrimônio público. E expor às pessoas as pepitas de uma jazida que está localizada em um porão de Niterói.

O que guarda o baú do Ingá

DJANIRA
Moça na Janela: pintura da artista é um dos destaques da coleção
TARSILA
Paisagem Brasileira: desenho da autora modernista está na reserva técnica
GUIGNARD
São Sebastião: quadro de 1960 é uma das obras valiosas do acervo
Fonte: Revista Veja - Rio - 04/08/2002
Matéria de
Isabel Butcher
Fotos de
Mirian Monteiro/Strana

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